domingo, 1 de abril de 2007

Como cheguei aqui... Final


Confrontada com isso e com minhas incertezas, além do começo do desmoronamento do meu casamento, que levaria dez anos para implodir de vez, eu tomei uma decisão: fazer um curso superior, provando para mim mesma que eu era capaz, que língua portuguesa não era este terror que muitos me diziam e, olhando agora, para fugir de uma situação na minha vida pessoal muito sofrida. E, em 1980, entrei no Curso de Letras da Fundação Universidade do Rio Grande. Era a primeira vez que estudava em português. Sempre fui uma ávida leitora, desde criança, mas essa leitura havia sido em inglês. A única coisa que eu lia em português era o jornal.

Foi ali que eu comecei a gostar de ser professora. Ao longo do meu curso, voltei para a sala de aula do ensino médio como professora. Voltei ou, talvez seja melhor dizer, comecei a ser professora de inglês. O primeiro fato que me aterrorizou ao voltar para a sala de aula foi a constatação de que meus 300 (trezentos) alunos, distribuídos nas três séries do ensino médio, não pensavam e, o que era mais assustador, que eu havia contribuído para esse fato enquanto professora no ensino fundamental – sem nenhuma reflexão havia formado uma massa de não pensantes – pela metodologia descontextualizada e desprovida de significado, que eu usava nas minhas aulas. Definitivamente, foi uma conclusão dolorosa, mas que me impulsionou a procurar as razões e a me apaixonar por educação e ser professora. Demonstrou-me a responsabilidade que temos como professores e a beleza de estar envolvida no crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes outros além dos meus filhos.

Estranhamente, mesmo com um passado de formação em inglês, eu não tive problemas no Curso de Letras. Certamente meu passado de leitora foi responsável por isso. Meus fracassos escolares eram coisas do passado. Foram quatro anos de muito prazer. Formei-me em 1984 em Português e Inglês e respectivas Literaturas e criei muito no possibilitar ambientes diferenciados de aprendizagem no ensino médio, especificamente no ensino de inglês.

Em 1987, já formada e com a implosão definitiva de vinte anos de casamento, voltei a trabalhar no Yázigi – Pelotas, desta vez como professora e coordenadora pedagógica. Ao mesmo tempo, em outubro de 1987, fiz concurso e fui aprovada para professora substituta de Língua Inglesa e Lingüística Aplicada no Curso de Letras da UFPel. Em 1989, fiz concurso para professor efetivo na mesma área. Desde então, tem sido uma constante busca para entender os processos de aquisição e aprendizagem de língua estrangeira e o papel da língua estrangeira na formação das crianças e adolescentes brasileiros na escola básica, além de entender os processos necessários na formação do professor de línguas, objetivo maior dos Cursos de Letras e, sobretudo, compreender o papel da leitura, do texto, da contação de histórias, da poesia, enfim, da linguagem na vida do cidadão.

De 1987-1995, paralelamente à construção profissional, desenrolou-se um crescer pessoal ao terminar de criar meus filhos e garantir um espaço neste mundão de meu Deus para todos nós. Foi desafiador, um momento de reforçar os laços de amizade que havia começado na infância deles, um período para nos conhecermos a fundo e nos amparar mutuamente no sofrimento de uma família desfeita. Vencemos, com cicatrizes profundas, mas certamente vencemos.

De lá pra cá construiu-se um caso de paixão com o fazer diário de formadora de professores de língua. E após muitos anos de docência em diferentes contextos, resolvi me aposentar e continuar apenas com o meu projeto de pesquisa, que é um sonho de muitos anos, uma caminhada de muito trabalho e a descoberta de uma fascinação pela informática. Essa fascinação e a curiosidade por coisas novas me levaram para o estudo e a prática de educação a distância, a partir da minha experiência com o projeto de educação continuada – Banco Multidisciplinar de Textos – carinhosamente conhecido por BMT. Este trabalho projeta o meu gosto incondicional pela leitura, pela beleza da palavra e pela certeza (uma das poucas) de que é através da leitura e do texto que o conhecimento em qualquer área se constrói. É através da leitura que se desenvolvem as idéias, o raciocínio e a paixão de viver.

Sísifo
Recomeça....
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez,
te reconheças...

-MIGUEL TORGA -

14 comentários:

Ernesto Dias Jr. disse...

O que dizer, Professora?
Que ensinas o idioma da vida?

Anne M. Moor disse...

Será? Tento me ensinar e ao me ensinar, ensinar aos meus filhos... regardless a qquer coisa, viver é muito bom...

Udi disse...

Anne, obrigada por isso tudo!
Sou feliz por você ser minha amiga.

Anne M. Moor disse...

Obrigada eu pela tua amizade e deste espaço mágico...

Anônimo disse...

O que te dizer??? Vou tentar, mesmo sabendo não será o bastante para definir tudo o que gostaria de te falar...

Tua vida e teu aprendizado são ensinamento para a gente... e quanta coisa a gente aprendeu nesses dias lendo esse texto tão pessoal que compartilhaste conosco!

E teu texto é poesia em prosa... it flows with the certainty and constancy of the rivers of life and learning!

Tank you! Thank you! Thank you!

Amanda Magalhães Rodrigues Arthur disse...

Fica teu belo exemplo para esta jovem senhora de 31 anos que te escreve. Obrigada!
E pelo belo poema também...

Anônimo disse...

Anne, obrigada por fazer parte da minha vida neste momento!! Um bjão!

Anne M. Moor disse...

Michele, Amanda e Márcia - que bom que minha escrivinhação serviu pra algo... :-)

Anônimo disse...

Adorei SUA fotografia neste post.

Anne M. Moor disse...

A águia num vôo livre... :-) Tbm gostei... hahahahaha

Flavio Ferrari disse...

Anne: quanto aos filhos, não dá para ensiná-los a viver ... talvez, a sobreviver.
Viveste bem. Vida rica e construtiva. De uma pessoa especial.
Pelo índice, imaginamos a riqueza de cada capítulo (que alimenta suas postagens cotidianas).
O comentário sobre a "implosão" do casamento me fez pensar. Eu optei por não deixar o meu implodir. Não iria aguentar. Mas não é assunto para um espaço semi-público. Qualquer dia ...

Rafael disse...

Bah...

Confesso que não li tudo, mas fiz um scanning em várias partes.

E é muito bom fazer parte - de uma forma singela, mas cheia de amizade, admiração e sinceridade - da tua vida.

Beijão!!!

Anne M. Moor disse...

Flávio: não... não ensinamos os filhos a viver, mas ao viver espelhamos nossos sentimentos sobre a vida.

Rafael dear! Embora não gostaste do meu sotaque britânico no primeiro dia de aula, nos tornamos amigos do peito e colegas inseparáveis... Like you too...

Anônimo disse...

Que vida magnífica, Anne. Parabéns. Zuleica.